Exemplo
- Boa tarde, meu nome é Analu, e eu sou a coordenadora da sexta série. Como eu sei que o senhor está em horário de trabalho, senhor Henrique, procurarei lhe tomar o mínimo de tempo.- Boa tarde. Meu filho disse que eu deveria trazer este papel, uma OCORRÊNCIA, assinado para esta reunião.
- Eu devo explicar ao senhor que este papel é importante para a Escola, e vai para a pasta do seu filho...
- Deixa eu interromper a senhora só um instante. Eu assinei este papel com muita estranheza, porque discordo totalmente deste tipo de coisa. Um relatório deste tipo, com o nome de Ocorrência quase iguala meu filho a um delinquente de rua.
- Senhor Henrique, de forma nenhuma estamos igualando seu filho, ou qualquer aluno, a um delinquente. O relatório é necessário, porque um dia alguém do Conselho Tutelar, ou um promotor, pode pedí-lo.
- E vai pedir por quê ?
- É desagradável tratar disto, mas é porque alguns pais podem entrar na justiça contra a escola.
- E por que os pais fariam isto.
- Já que o senhor insiste, e não nos leve a mal, é porque alguns alunos são convidados a deixar a escola.
- "Convidados a deixar a escola" significa expulsar, não é ?
- Nós nunca expulsamos. Apenas sugerimos que ele procure outra escola ao fim do semestre.
- E as Ocorrências servem como prova !?
- Sim. É isto. Mas vamos conversar sobre a Ocorrência, para não tomar o seu tempo. O seu filho vem apresentando alguns comportamentos inadequados, e a professora dele reclamou.
- Quais ?
- Ele pede para ir ao banheiro durante a aula.
- Eu também vou ao banheiro regularmente, até por conselho médico. Qual é o problema ?
- É porque ele pede mais de uma vez antes do recreio e, as vezes, depois do recvreio também.
- É só isto ? A senhora vê problema no fato do meu filho ser saudável ?
- Ele poderia se controlar um pouco. Os outros alunos só vão na hora do recreio, pedindo para ir durante a aula eventualmente. Já com o seu filho isto ocorre frequentemente.
- Olhe, dona Analu, ...
- Pode me chamar de Nalu.
- Nalu, meu filho não precisa ser igual a todos os outros alunos, principalmente em se tratando do campo da saúde. Se ele tivesse asma, vocês o deixariam sair da sala para tossir. Se fosse deficiente, também.
- Mas estas exceções tem laudo médico e atestados para justificar.
- Ora, será que eu vou ter que arranjar um laudo atestando que meu filho faz muito xixi ?
- Se fosse só isto, tudo bem. Mas ele também se recusa a fazer certas atividades em sala de aula.
- Não, espera ai. Quer dizer que o problema de fazer muito xixi pode ser tolerado se o menino for bom aluno ?
- Bem ... o senhor compreende que todos os comportamentos são só elementos de um mesmo quadro.
- Que quadro ?
- É uma certa indisciplina.
- Sobre fazer atividades, eu até concordo. Mas sobre ele fazer muito xixi acho uma agressão ao meu filho. A Separe uma coisa da outra. Uma se refere às necessidades fisiológicas. Outra se refere ao assunto da escola.
- Senhor Henrique, este tipo de coisas, aparentemente de origens diferentes, tem o mesmo sentido. Ele quer fugir das atividades. Quer sair o máximo possível da finalidade da aula.
- A senhora compreende que ele pode estar apenas nervoso, o que o faz pedir prá ir ao banheiro, só prá sair da sala ?
- Se ele está nervoso, o senhor que é pai pode nos dar uma pista do porquê.
- Meu filho é um garoto normal. Joga videogame, brinca, faz natação, é sossegado, carinhoso, faz escotismo, enfim, não tem problemas de comportamento.
- Mas aqui na escola ele apresenta estes problemas.
- Então, o problema não está na minha casa, mas na sua escola.
- Senhor Henrique, os alunos precisam aprender a ser disciplinados.
- A senhora já se questionou sobre a validade dos métodos utilizados, que são praticamente os mesmos de quando nós estávamos na escola ?
- Para o senhor ficar informado, eu estou fazendo um curso de neurosciências, onde estamos vendo tudo o que está sendo descoberto em torno do aprendizado.
- Mas as professoras que a senhora coordena também estão informadas sobre estas novidades ?
- Ainda não. Mas tudo é um processo.
- Cara Nalu, então não estamos indo a lugar nenhum. A senhora está em contato com as novas técnicas, mas não é quem dá as aulas. Suas professoras, tanto aqui quanto nas outras escolas, em sua maioria, estão usando as velhas técnicas, e os problemas devem ser os mesmos aqui e em outros lugares.
- Senhor Henrique, não é nossa função aqui discutir a situação do ensino, mas o problema do seu filho.
- Nalu, você está errada, pois é justamente este o problema. Meu filho é muito ativo e criativo. Provavelmente a aula não está despertando nele nenhum interesse, pois, assim como no nosso tempo, a aula a que ele assiste é do tipo PROFESSOR TRANSMITE CONHECIMENTO PARA O ALUNO.
- Mas só o seu filho está apresentando este problema.
- Nalu, sua escola não está sendo obrigada, como as outras, a aceitar os meninos com síndrome de Down ?
- Sim, mas o quetem isto a ver ?
- Eles não precisam ser tratados de forma diferente ?
- Sim.
- Ora, se o meu filho está sendo quase considerado doente, façam uma exceção para ele também.
- No caso do seu filho, existem mais soluções disponíveis. Existem meios de melhorar a concentração dele, e acho que podemos resolver.
- Qual é a sugestão da senhora ?
- Existe um medicamento que está sendo usado com os meninos que tem dificuldades de concentração.
- Remédio ?
- Sim, é a Ritalina.
- Espera um pouco prá eu entender. Agora, para o aluno se concentrar na aula, vocês aconselham os pais a lhes dar um remédio ?
- Não somos nós que faremos isto. Não temos esta autoridade para diagnosticar e nem para receitar o que quer que seja. Nós encaminhamos o aluno para um profissional que faz um laudo e que PODE receitar um medicamento que auxilie o aluno.
- Veja bem, então se vocês encaminharem o meu filho para um profissional deste, uns dias depois meu filho estará assistindo as aulas "drogado", mas focado, obediente e de acordo com o que vocês esperam ?
- Senhor Henrique, não é bem assim ...
- Nalu, na nossa época disciplinava-se o aluno. Não estou pedindo para que vocês o façam do jeito que era feito, com medo e castigos. Vocês são os profissionais de ensino, e cabe a vocês, até com os conhecimentos desta tal de neurosciências, que você citou, acharem os caminhos para controlar os alunos.
- Senhor Henrique, vamos fazer isto com a colaboração dos pais.
- E já digo uma coisa a você: não admito esta ideia de dar ao meu filho a "droga do aprendizado". Não é assim que vamos resolver o problema.
- Antes disto, o senhor fique tranquilo, vamos sugerir o que temos de mais utilizado, que é a orientação psicológica. Vamos recomendar que o senhor procure um profissional especializado.
- Olhe, Nalu, eu e minha mulher já pagamos uma escola cara. Além disso vamos ter que pagar um psicólogo também ?
- O senhor não quer resolver o problema do seu filho ?
- Nalu, vocês utilizam o argumento da maioria. Os outros alunos ficam quietinhos, fazem as atividades que a professora manda, mas eu pergunto: Eles realmente aprendem ?
- Eles são disciplinados, acompanham a aula, fazem as atividades. É a função da escola.
- A função da escola é ministrar atividades ou é realmente a de formar gente que raciocine ?
- Senhor Henrique, a Secretaria de Educação tem que ter parâmetros registrados dos resultados. Não temos como medir o raciocínio dos meninos.
- Mas vocês sabem claramente diferir os criativos dos "moscas mortas", repetidores de conhecimento ou simplesmente soldados de escola.
- Somos apenas responsáveis pelo conteúdo. Em cada série, fazemos o possível para o aluno absorver o conteúdo.
- Pensei que a escola formasse pessoas que saibam pensar.
- Senhor Henrique, temos as exigências da Secretaria de Educação, que só podem ser estabelecidas pela medição de alguma coisa, no caso a nota do aluno.
- Agora vejo porque os alunos são desinteressados, porque viadutos tem caído em nosso país, e porque os projetos não vão para frente. Sem falar nos políticos que exploram o povo.
- Senhor Henrique, discutir isto não é de nossa alçada.
- Discordo de você. A escola é o nascedouro de tudo. As prioridades do país, que vivem falando na TV e nas campanhas eleitorais são Educação e Saúde. A educação é tudo. Estou profundamente decepcionado. Vamos ser objetivos então. Me indique um profissional, um psicólogo, que mando meu filho pra ele.
- A escola não indica um profissional. Temos estes três aqui (e distribui os cartões deles).
- Vou escolher um então. Eu tenho que ir. Boa tarde.
Objeto do diálogo
O objeto do diálogo é a discussão sobre a situação escolar de um aluno.Envolvidos
A coordenadora da sexta série de uma escola e o pai de um aluno com alguns problemas escolares.Estabelecendo o local do diálogo
Provavelmente ele ocorreu na escola em que Analu é coordenadora, pois é o usual. Isto fica, de certa forma caracterizado pelo que ela diz ao pai do aluno: "Como eu sei que o senhor está em horário de trabalho ...".Estabelecendo o tempo do diálogo
O texto dá, claramente, a parte do dia em que ocorreu o diálogo: "Boa tarde, ...".Característica do diálogo
A principal característica do diálogo é a tensão entre os interlocutores. A coordenadora está empreendendo a difícil tarefa de apresentar a um pai de aluno os problemas que ele está apresentando em sala de aula, e este está quase interpretando o papel de filho, se colocando no lugar dele, para ser chamado a atenção pela coordenadora.Em alguns momentos, os interlocutores utilizam, de forma leve, os maus argumentos. Dissemos leve porque ambos sabem que o problema realmente existe, mas não é de exclusiva culpa de nenhum dos lados.
Mau argumento 1
O pai, obviamente pressionado, quase na condição de acusado (assim ele se sente, pois está representando o filho, porém na pele de um adulto que sente todas as consequências dos atos do filho), profere a seguinte frase, ao entregar um papel em que viu escrita a palavra OCORRÊNCIA: "Um relatório deste tipo, com o nome de Ocorrência quase iguala meu filho a um delinquente de rua.".Aqui ele utiliza o argumento do "espantalho", deturpando o status de estudante, do filho, abaixando o seu nível para o de "delinquente". E ao abaixar o status do filho na situação, pretende colocar tal termo na boca da escola, que emitiu um documento com o nome de Ocorrência, comparando aos Boletins de Ocorrência que a polícia lavra para os crimes, portanto para os criminosos. E é isto o que ele entende da situação.
Mau argumento 2
Ao informar o pai de que "O relatório é necessário, porque um dia alguém do Conselho Tutelar, ou um promotor, pode pedí-lo", a coordenadora está utilizando o "Apelo ao medo". Citar o Conselho Tutelar é uma forma de constranger o pai, pois praticamente diz a este que ela, a coordenadora, ou a escola, podem chamar este órgão, que tem o poder de questionar os pais quanto às suas ações sobre os filhos.Mau argumento 3
Este só pode ser estudado na complexa estrutura de argumentos do trecho:"- Para o senhor ficar informado, eu estou fazendo um curso de neurosciências, onde estamos vendo tudo o que está sendo descoberto em torno do aprendizado.
- Mas as professoras que a senhora coordena também estão informadas sobre estas novidades ?
- Ainda não. Mas tudo é um processo."
A coordenadora (1) estabelece para si um status alto para a discussão "eu estou fazendo um curso de neurosciências ... vendo tudo o que está sendo descoberto ...". Ou seja, está reinvindicando para si uma autoridade no assunto em discussão. (2) O pai quer verificar se este é o mesmo status das professoras, fazendo a pergunta "Mas as professoras ... também estão informadas ... ?". E a coordenadora (3) reconhece que não "Ainda não", e (4) encontra apenas uma desculpa: "Mas tudo é um processo". Ela não marca uma época para a conscientização das professoras a respeito dos novos conhecimentos, e nem de que forma será feito. É a desculpa institucional.
Mas vamos ao reconhecimento do tipo de mau argumento.
Os argumentos 1 e 2, em conjunto, pretendem estabelecer a metáfora da "Autoridade Irrelevante". A coordenadora reivindicou o status de autoridade em Neurosciências apenas por estar fazendo um curso. Além desta reivindicação, ela, acrescentando a chamada de discurso "Para o senhor ficar informado, ...", impõe um tom antipático, tentando diminuir a figura do pai do aluno, numa tentativa clara de intimidação.
O argumento 4 é pior do que os antecedentes , e é considerado do tipo "Equívoco" por Ali Almossavi. Ao utilizar a palavra "processo", a coordenadora tenta iludir o pai, como se houvesse "UM CONJUNTO CONHECIDO E TESTADO DE PROCEDIMENTOS ORGANIZADOS PARA RESOLVER O PROBLEMA". E sabemos que este tipo de solução, no plano educacional simplesmente não existe, pois, neste plano, existem indivíduos com caráter muito diverso, um do outro.
Mau argumento 4
Ainda em relação às neurosciências (citadas como argumento nesta situação), é feita uma argumentação, pelo pai: "A senhora está em contato com as novas técnicas, mas não é quem dá as aulas. Suas professoras, tanto aqui quanto nas outras escolas, em sua maioria, estão usando as velhas técnicas,". Ele mostra à coordenadora o erro de interpretação em relação aos conjuntos, denominado "Composição e divisão" por Ali Almossavi, que diz "inferir que um todo deve ter determinado atributo, porque uma de suas partes o possuem".E o sentido percebido e estendido pelo pai ainda mostra que ainda pode existir o problema da "transmissão do atributo", ou seja, os conhecimentos adquiridos, mesmo para a maioria das professoras, deixaria algumas de fora, que continuariam gerando o problema em partes discretas do universo escolar.
Toda ciência, até que seja divulgada, pode ser considerada inexistente. Não basta adquirir conhecimento; é preciso replicá-lo para várias fontes secundárias.
Mau argumento 5
É o tipo mais usado ultimamente no Brasil. Quando o pai diz "- E já digo uma coisa a você: não admito esta ideia de dar ao meu filho a 'droga do aprendizado'. Não é assim que vamos resolver o problema." ele faz uma caricatura de um medicamento específico, elevando-o à característica geral de DROGA.Este é o argumento do "Espantalho", ou seja, o emissor coloca a máscara mais ridícula, mais depreciativa sobre a entidade relacionada à discussão, pois é mais fácil atacar uma caricatura do que uma ideia de mais alto nível.
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