sábado, 7 de março de 2020

Lógica dos Serviços Públicos - Não sai de graça

Aqui neste blog não falamos apenas da lógica Teórica e da lógica Aplicada. Falamos também dos absurdos, para submetê-los à lógica.

Acho que passamos por muitos anos de busca e garantias de direitos, cidadania e questionamentos por vezes exagerados, e as pessoas se esqueceram da lógica universal. As pessoas estão achando que tudo tem que ser social e, em última instância, de graça.

Comida de graça

Vamos pensar só no social e biológico. Para manter a vida pulsando, a comida teria que ser de graça. Por que não é ? Se tivéssemos um mundo sem insetos, com estações absolutamente definidas em termos de clima, sem as variações seculares, sem as pragas, sem impostos e sem necessidade de pessoas plantando e colhendo e, principalmente com uma terra cultivada que detectasse o aumento da população, produzindo mais à medida em que a população crescesse, a comida poderia ser de GRAÇA. E ainda nem falamos dos defensivos agrícolas, necessários em um país com três colheitas no ano, para alimentar os cidadãos de nosso país.

Serviços públicos de graça

Os serviços públicos, de determinados segmentos, envolvem:
  • Transporte;
  • Telecomunicações;
  • Energia elétrica;
  • Água tratada;
O transporte é uma garantia constitucional do ir e vir. Ele pode ser gratuito para idosos, gratuito para deficientes, pode ter meia passagem para estudante, mas alguém tem que pagar:
  • Compra de ônibus;
  • Planejamento do sistema;
  • Manutenção;
  • Combustível;
  • Motoristas e trocadores;
Ora, se entrou o elemento humano, o motorista, caímos no problema da comida (estamos ignorando os demais problemas). O motorista come e, como dissemos, só existe comida de graça em um mundo de fantasia, onde não existem insetos e pragas, entre outras coisas. Portanto, o transporte não pode ser de graça.

Mas existem campanhas populares para isto. Mas uma cobrança MÍNIMA precisa existir.

Telecomunicações de graça

Que eu saiba, não existe campo da engenharia que abarque mais tecnologia do que as telecomunicações. Elas alteraram drasticamente o mundo. O 5G da telefonia está aí.  Você anda na rua, e seu corpo está sendo atravessado por ondas de rádio, celular, TV e satélite, diretamente ou de forma residual ou refletida,

Vamos supor que você tenha uma linha de celular e o aparelho correspondente. De tantos em tantos minutos, MESMO QUE VOCÊ NÃO USE O CELULAR, as microondas para que seu aparelho possa ser localizado e receba a transmissão de uma ligação. Isto se chama DISPONIBILIDADE.

Disponibilidade

A Disponibilidade envolve dois parâmetros:
  • Sinal;
  • Potência
O Sinal é a possibilidade de concretização do serviço. No caso da telefonia, o Sinal é provido pela presença das Antenas nos altos dos prédios ou em torres próprias. A Potência é o mínimo de grandeza física atinente ao serviço para tornar o Sinal eficaz para transmissão ou recepção.

Ou seja, disponibilizar um serviço não é coisa trivial, e envolve Investimentos constantes em mão de obra, tecnologia, manutenção e controle. E quando entrou a Mão de Obra, entrou a comida, no mínimo, e esta ainda não é de graça, pois ainda não temos o mundo ideal sem pragas e sem insetos.

Energia Elétrica de graça

Neste caso, basta perguntar ao leigo:

Você já ficou na frente do paredão de uma barragem do reservatório de água de uma represa que produz energia elétrica ?

A construção de uma represa, colocação de unidades geradoras gigantescas de energia elétrica, pesquisa e manutenção das máquinas e o controle dos horários de maior demanda é algo INIMAGINÁVEL para um leigo.

Vamos supor, no mundo imaginário, um município onde ninguém está utilizando a Energia Elétrica. Ainda assim, o "Sinal", ou seja, a Rede de Transmissão que leva os fios até a entrada de sua residência, existe. E a Potência, neste caso, é a garantia da entrega de 110 Volts ou de 220 Volts em suasa tomadas. Ambas as providência custam uma fábula de dinheiro, que PRECISA SER DIVIDIDA ENTRE OS USUÁRIOS DO SISTEMA.

Água de Graça

Existe um folclore que diz:

A água cai do céu

A água não cai do céu, pelo lado SUBSTANTIVO e pelo lado DE CONSUMO. Pelo lado SUBSTANTIVO, não é a água que cai do céu, mas sim a CHUVA. A CHUVA contém Água. Mas esta água pode vir, e vem, misturada aos gases. Existe uma parte da Chuva que cai nos rios, diretamente, e outro que cai indiretamente. A chuva Indireta escorre do cimento, da terra, de canaletas, dos telhados e de quaisquer outras superfícies. Em seu trajeto, entra em contato com fezes de animais, sujeira, produtos agrícolas, cadáveres de insetos, sais minerais, metais pesados no solo e muitos outros agentes que contaminam a água.

No mundo ideal da fantasia, a água poderia ser toda pura da seguinte forma. Construyir-se-ia um reservatório gigantesco, que desse para suprir todo um município durante o ano (pois na próxima estação chuvosa ele se encheria novamente), e que não fosse permitido que sua água recebesse outras águas das fontes indiretas. O Reservatório do mundo ideal teria uma enorme tampa, que impedisse que aves fizessem nele as suas necessidades durante o vôo.

No caso da água ainda existem os dois agravantes. O "sinal" seria provido, como é, pelos encanamentos quilométricos até as residências e seus medidores.; A "Potência" seria dada pela pressao garantida pela diferença de cota de altura entre o reservatório e as residências. Em muito poucas situações isto é possível. Via de regra, existe uma estação bombeadora, com um conjunto motobomba gigantesco, ou mais de um, para bombear a água para um local bem alto, onde existe um resrevatório parcial de grandes proporções.

E isto custa dinheiro. Seja para residência individual, seja para coletiva.

Com um mundo com bilhões de habitantes, e com os habitats invadidos, não existe mais água pura de qualidade garantia nos cursos de água naturais. Tudo está CERTAMENTE contaminado. E no caso da água, é preciso algo que passa desapercebido nas Telecomunicações e na Energia Elétrica: o Tratamento.

No caso das Telecomunicações. o Sinal transita codificado, e precisa ser decodificado. No caso da Energia Elétrica o Sinal transita a 130000 volts. Ele precisa ser atenuado, em sua potência, para 110 volts.

E no caso da água, é preciso tirar os microorganismos que provém de fezes de animais, metais pesados, sais dissolvidos e outras substâncias estranhas.

Portanto, a água não pode ser de graça, e ainda precisa de uma cobrança mínima, por todo o sistema estabelecido, à semelhança das Telecomunicações e da Energia Elétrica.

A Pesquisa

Neste momento, sem consumir água, sem consumir nem uma luzinha proveniente da energia elétrica e sem utilizar telefone, temos um enorme e incontável corpo de pesquisadores tentando melhorar estes três sistemas.

Conclusão

Portanto, a ideia de serviços gratuitos, ou sem um valor mínimo, não encontram respaldo na lógica. Tem gente que não imagina quantos cientistas se debruçaram sobre os livros e experimentos, para tornar este mundo do jeito que é hoje, e acham que tudo é fácil, portanto pense bem antes de pedir tudo de graça.



 









quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Lógica Instrumental - Resolução de Problemas - III

Mais um exemplo de análise de textos

O segundo exemplo descreve a mosca doméstica (fonte: Wikipedia):


A mosca-doméstica (Musca domestica) é um dos insectos mais comuns e um membro do grupo das moscas (ordem Diptera). A mosca pode pousar em comida, contaminando-a de bactérias e tem sido, durante os tempos, responsável por inúmeras propagações de doenças.

A sua larva é muito útil na medicina legal e na pesca. O estado de desenvolvimento da larva pode ajudar na determinação do tempo decorrido desde a morte de uma pessoa.

Uma vez que a larva só se alimenta de carne morta e alimentos podres, surgiram experiências, em ambiente controlado, para introduzir a larva em feridas, eliminando a carne putrefata, evitando a gangrena.

O ciclo de vida de uma mosca varia de 25 a 30 dias.

Esta descrição se aproxima mais do tipo ortodoxo que desejamos, sem atingir minúcias necessárias à identificação deste tipo de mosca dos demais insetos de seu porte e aparência, que com ela poderiam ser confundidos. Fala-se de sua larva e de alguns de seus hábitos, principalmente no que tange à alimentação.


O terceiro exemplo descreve a TV de LED (fonte: Wikipedia):


A LED TV é um televisor que usa vários diodos emissores de luz (LEDs) por trás de um painel LCD. Proporciona melhor contraste de imagem que a LCD com iluminação traseira do por Eletroluminescência (comuns).

Além de maior economia de energia, essa tecnologia permite controlar a intensidade luz por região da tela, proporcionando tons de preto mais naturais (menos iluminados), ao contrário das LCD convencionais que emitem o feixe de luz através de apenas uma grande lâmpada plana.

Esta descrição é, entre os exemplos vistos, a que oferece características de descrição ortodoxa que desejamos demonstrar. É descrita a sua constituição, além da diferenciação para as antecessoras de sua categoria. Também são enumeradas suas vantagens sobre as demais Tvs.

Se esta descrição seguisse o modelo incompleto e “torto” do primeiro exemplo (Porsche), ela faria comparações de valor, e citaria algo como “a TV de LED ganhou o prêmio de melhor TV do ano”.

Considerando os exemplos fornecidos, para a categoria de descrição, podemos propor a análise de cada um.

Análise de uma descrição


A análise de uma descrição se compõe basicamente da enumeração dos atributos da coisa analisada, mesmo que não atendam ao requisito de uma descrição ortodoxa.

Exemplo 1 (O Porsche):

1. Os primeiros modelos são muito valorizados pela sua raridade;
2. Alguns modelos podem atingir o preço de US$ 150 mil;
3. Foi o 10º melhor carro na lista dos melhores da década de 60 segundo a revista Sports Car de 2004;
4. Foi o modelo base para o modelo 911;
5. Poucas unidades vieram para o Brasil;
6. Gerou mercado para réplicas em fibra de vidro.

Seguindo o nosso modelo de Centros de Raciocínio (após este exemplo), podemos classificar cada uma destas características. Infelizmente, não existem, nesta lista, neste exemplo, Centros de Raciocínio Secundários (os mais diretamente relacionados ao centro da ideia de Porsche 356) identificáveis. Segundo nosso modelo proposto, a descrição está mal feita.

Utilizando os buscadores da Internet, e descartando centenas de sites com descrições sem nenhuma condução para o que é realmente o veículo tratado, acha-se o seguinte conjunto de características ortodoxas:


  • Carro conversível com dois lugares de procedência e fabricação alemã;
  • Projetado por Ferdinand Porsche;
  • Produzido entre 1948 e 1950;
  • Motor de 1,086 litros, montado longitudinalmente na parte traseira do carro, com 4 cilindros e 2 válvulas por cilindro;
  • Potência de 66,3 cavalos;
  • Carroceria de aço montada sobre chassi de alumínio;
  • Parabrisa dividido em duas partes por um perfil de aço;
  • Retrovisor montado no centro do painel, na altura do capô dianteiro;
  • Pneus de perfil estreito como usado nos Volkswagen Fusca e Kombi;
  • Volante com 3 aros;
  • Atinge velocidade de 142 km/h;


Estas características descrevem com mais precisão a identidade do carro do Exemplo 1. Não são citados fatos, e sim atributos do veículo.

Vamos interromper os exemplos e expor o método e seus conceitos.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Lógica Instrumental - Resolução de Problemas - II

Análise

A análise exige algo como a “quebra química” de um contexto apresentado. Existe um problema a ser resolvido, algo a ser construído ou então melhorado. É preciso fazer uma análise da situação. Deve-se identificar as entidades presentes no contexto apresentado, bem como as suas relações. Vamos fazê-lo em:


  • Uma descrição;
  • Uma notícia;
  • Um problema proposto;
  • Uma narração;

Abordagem Corporal para Contextos

Os Contextos ou Sistemas possuem partes. Pense no seu corpo. Você tem, se for um homem sadio, basicamente, Cabeça, Tronco e Membros. Mas não pense em partes como “pedaços”. A Cabeça é a parte controladora, e as demais partes tem que se referir a ela. Os braços seriam as partes manipuladoras, e as pernas as partes locomotoras.

Em outras palavras, a Cabeça é a ideia principal que em 99% das vezes corresponde ao Título e ao parágrafo de conclusão. As pernas são as circunstâncias que trouxeram as razões para que se desenvolvesse o texto, e os braços são as providências (se existiram) ou as sugestões para se resolver o conflito ou problema descrito no texto.

Os olhos e ouvidos são uma parte da Cabeça, que captam aquilo que o contexto parece ser ou realmente é. É a Cabeça, na sua inteireza, cuida de discernir se o que é visto e ouvido é Aparência ou Realidade.

Análise nas descrições

Uma descrição bem feita já se encaixa em uma análise completa. Se faltar algum detalhe, o “expert” daquele contexto vai conseguir enumerar o que está faltando.

Vamos ao primeiro exemplo que descreve o modelo 356 da fábrica de automóveis Porsche (fonte: Wikipedia):

Porsche 356 é o nome de uma linha de automóveis produzidos de 1948 até 1965, e é considerado o primeiro carro produzido pela Porsche. “356” faz alusão ao fato deste ser o 356° projeto do escritório de design Porsche. 

Apesar da marca Porsche estar intimamente relacionada ao modelo 911, esses modelos dos primeiros anos da Porsche são muito valorizados hoje em dia, não necessariamente pelo seu desempenho ou esportividade, mas por sua raridade, beleza e valor histórico. Modelos bem conservados, sobretudo conversíveis, podem facilmente atingir cifras além dos 150.000,00 dólares.

Em 2004, a revista Sports Car International elegeu o 356C o 10° melhor carro na sua lista dos melhores da década de 60. Hoje este item de colecionador mantém seu status de carro que resistiu ao teste do tempo, e a maior parte deles ainda roda em ótimo estado. Embora a princípio muito parecido com as derivações do Volkswagen Fusca que surgiram no pós-guerra, o 356 pavimentou o caminho para a formação da marca como é hoje, servindo de base para o desenho do 911, e definindo o paradigma do que se conhece por "Porsche" atualmente. 

Poucas unidades foram trazidas para o Brasil, e o modelo gerou um certo mercado para réplicas de fibra, sobretudo na época da proibição das importações, durante a ditadura.

Esta descrição é do tipo “fala sobre”. O que esperamos de uma descrição ortodoxa é uma lista de atributos da coisa em questão, e não históricos. Mas em defesa de quem produziu este texto vamos dizer que o assunto automóvel ficou tão comum, que ninguém mais se perde em detalhes da sua constituição (lataria, pneus, janelas, volante, etc).

São feitas comparações com outros modelos Porsche, citando sua classificação no ranking dos melhores carros e o seu valor de mercado que, sendo elevado, enaltece a sua posição como carro de destaque.
Neste caso, a análise ficou prejudicada pelo desvio do conteúdo de sua finalidade principal de se  constituir como descrição.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Lógica Instrumental - Resolução de Problemas - I

Operações básicas do Raciocínio

Comparação

Estamos colocando esta operação mental em primeiro lugar pelo fato de ser aquela de maior domínio entre todas as pessoas. A todo o momento estamos fazendo comparações, que são a base para as nossas escolhas. E é da comparação que surge uma das atitudes frente às coisas mais comum de todos os seres humanos: a crítica. No diagrama a seguir representamos esta operação já dentro de um padrão que será utilizado ao longo de todo este trabalho, dentro do princípio de Centros de Raciocínio.

Parece que a tendência do homem é a de criticar TODA e QUALQUER COISA. Em termos científicos isto leva ao progresso, e no pessoal pode levar à destruição.



Em termos gerais, puramente filosóficos, a Comparação fornece a Igualdade ou a Diferença como resultado, sendo a Diferença para Menor (ou menos) ou Maior (para mais). Os resultados Menor, Maior ou Igualdade estão no terreno da pura matemática. Mas em termos de expressão de opiniões em relação às ideias, como demonstrar esquematicamente coisas como Crítica, Elogio e Observação ?
Sendo a Crítica, o Elogio e a Observação coisas de natureza diversa das ideias (ficam na classe das conclusões ou julgamentos) vamos representá-los em cor diversa das convencionadas até agora.



Podemos acrescentar que, em termos de opiniões (coisa que fazemos quase o dia inteiro), o resultado pode ser misto. Você pode, por exemplo, concordar e elogiar uma proposição, e também fazer uma observação, para um possível e cabível Acréscimo.

Em termos de discussão, a Comparação é a última “estação” antes do Julgamento. Pode haver uma síntese posterior, mas ela é realmente a operação mais “nobre” do Raciocínio. Antes da Comparação vem a operação mais complexa e inexplicável do aparelho cerebral: a ANÁLISE. É muito comum se dizer “vamos analisar a situação”.

Graus de semelhança

A maior parte das pessoas sabe lidar somente com IGUAL ou DIFERENTE e uma pequena parcela das pessoas instruídas tem a noção de IGUAL, MAIS ou MENOS e DIFERENTE, sem ter a capacidade de construir uma Escala de Valores, que é o verdadeiro ponto de partida para o método científico: a Escala de Semelhança.

É comum ouvir expressões como “não é nada disto” ou “está tudo errado” para uma situação que admite pequenos desvios. É uma espécie de Radicalismo do Raciocínio, do tipo “É ou NÃO É”, que paralisa completamente qualquer estabelecimento de uma direção e a possibilidade de uma tomada de decisão racional.

Vamos falar mais sobre isto no item “Categorização por Escala”.

Conclusão

A Comparação é a operação de raciocínio humano que demonstra a nossa capacidade de RECONHECIMENTO e DIFERENCIAÇÃO, levando à CATEGORIZAÇÃO, e à consequente produção mental de uma ESCALA de VALORES.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Exemplos de diálogos - IV - Ilusão temporal

Já lidamos com três situações de diálogo, em um clima crescente de tensão. Existem muitas situações de tensão nos diálogos dos humanos, mas nosso interesse é mostrar o máximo de situações de diálogo, sem nos aprofundarmos, pelo menos por enquanto, em um tipo específico.

Vamos lidar aqui com um comportamento humano, expresso em diálogo, que é o fruto de uma contradição humana muito comum. Vamos a ele

Exemplo

- Bom dia, meu nome é Reinaldo, quem me mandou foi a TechCenter. Vim verificar o seu computador.
- Bom dia Reinaldo, você tem alguma identificação ?
- Tenho sim (retira o crachá do pescoço e entrega à pessoa). Qual é o seu nome ?
- Mateus (confere o crachá e o devolve). Pode entrar. O computador fica na mesa em frente. Pode ficar à vontade.
O técnico chega à mesa onde está o computador e examina a fiação, desde o mesmo até a tomada, passando pelo estabilizador, régua de tomadas, etc.
- Qual o defeito que ele está apresentando ?
- Dá uma ligada nele, e você vai ver.
- Eu ia fazer isto, mas não antes de perguntar se você sentiu cheiro de queimado, na última vez que o ligou.
- Não. Meu computador não está queimado. Estava funcionando muito bem. Ontem fui ligar e ele deu umas mensagens na tela, e não entrava no Windows. Não entendo.
- Posso ligá-lo ?
- Claro, senão como é que você vai ver o defeito ?
- Apenas perguntei porque o computador é seu. Vamos supor que ao ligar ele estivesse dando descargas nos fios, ou na tela, ou tendo outro efeito que pudesse ser prejudicial !
- Não. Estava perfeito. Não entendo porque parou de funcionar.
O técnico liga o aparelho, e uma série de mensagens aparecem na tela. Ele lê as mensagens, aguarda um pouco e profere a sentença:
- Vou precisar reinstalar o Windows. As mensagens indicam claramente que o sistema operacional, que faz o Windows funcionar, foi perdido.
- Você diz "reinstalar". O que isto significa ?
- Significa que vou colocar seu computador da mesma forma em que ele estava quando você tirou ele da caixa, logo depois de comprá-lo. O que você gravou até hoje foi perdido.
- Não posso perder o que está gravado. Dê um jeito de recuperar.
- Em primeiro lugar, o meu trabalho, bem descrito no anúncio da minha loja, é o de restabelecer o FUNCIONAMENTO da máquina. Os dados são de responsabilidade de quem usa. Por isto existem os programas de backup (gravação dos dados do computador em disco, fita, discos externos, pendrives, CD, DVD). Em segundo lugar, e mais grave, as mensagens que apareceram aqui na tela dizem que o seu disco interno está com os dados corrompidos, e recomendam a reinstalação do sistema.
- Mas você é técnico. Se é técnico, pode recuperar meus dados.
- Mateus, eu sou técnico sim, mas mesmo um técnico tem sua capacidade limitada ao que está acontecendo. No caso de um médico, mesmo entendendo tudo de medicina ele não pode fazer nada em relação a um morto, apenas pode descer as pálpebras para lhe fechar os olhos. Não faço milagres.
- Mas como vou fazer com meus dados. Meu Imposto de Renda estava aí, contratos, fotos de família, ...
- Você nunca gravou estes dados em DVD ou CD ? Não tem eles em pendrive, nada ?
- Não. Está tudo aí.
- Pode até estar, mas de uma forma irrecuperável, corrompida.
- Ah, não. Por que este computador parou de funcionar ? Estava funcionando até ontem. Não faz sentido.
- Mateus, acontece com ele o mesmo que com as lâmpadas; elas não queimam ?
- Meu computador não está queimado.
- Eu não disse isto. No entanto, em algum momento, o sistema operacional Windows, ou a rede elétrica, deu um problema, e provocou gravações corrompidas, que acabaram bagunçando o seu computador. Ontem você observou se houve piques de luz, estouro de um transformador na sua rua, ou qualquer coisa ligada à eletricidade ?
- A única coisa relacionada a isso foi que estiveram no condomínio para consertar o elevador do prédio.
- Bem, provavelmente isto provocou algum pique de corrente, não só no seu computador, mas no de outras pessoas.
- Eu sei que pode acontecer. Minha única preocupação sção os meus dados. Eu não posso perdê-los. Estava tudo funcionando. De repente parou, e agora você me diz que perdi tudo.
- Já que isto está te incomodando, existe uma empresa em São Paulo, aliás várias, que recuperam discos perdidos, como o seu.
- Reinaldo, por que você não falou isto antes ? O problema está resolvido.
- Não falei porque apenas empresas muito grandes podem pagar o custo.
- Quanto é, mais ou menos ?
- De acordo com o grau de dano ao seu disco, de 5 a 20 mil reais. Os profissionais que fazem isto são os mesmos que recuperam discos de computador dos réus da operação Lava-Jato.
- Que absurdo ! Prá que ser tão caro ?
- Porque é um serviço altamente meticuloso, cheio de detalhes. Eles tentam reconstituir todas as estruturas dos seus dados. Qualquer pessoa comum tem mais de 10 mil arquivos gravados em um computador. Só de fotos, qualquer um tem mais de 3 mil. Pensa em todas as viagens que você já fez. Em cada uma deve ter mais de 300 fotos tiradas. Se você quiser, te dou o nome e endereço de pelo menso 3 empresas que fazem este tipo de serviço.
Mateus coça a cabeça, e finalmente sentencia:
- Pode reinstalar, então.

Objeto do diálogo

O dialogo trata do atendimento de um técnico na casa de uma pessoa (Mateus) cujo computador apresentou defeito.

Envolvidos

O dono do computador com defeito, Mateus, e o técnico da empresa TechCenter, Reginaldo.

Estabelecendo o local do diálogo

O diálogo se dá na casa ou local de trabalho da pessoa cujo computador está com problema (Mateus), evidenciado no "ritual" de recebimento do técnico pela pessoa, e pela frase:

 "Bom dia, meu nome é Reinaldo, quem me mandou foi a TechCenter. Vim verificar o seu computador."

Estabelecendo o tempo do diálogo

O tempo está compreendido entre as 8 horas (horário de início normal do horário laboral) e 12:00, pois é utilizada a expressão:

"Bom dia ..."

Característica do diálogo

Existe uma leve tensão entre os interlocutores, pois Mateus (o dono do computador) está se vendo prejudicado pelo fato de vislumbrar a perda de todos os seus dados registrados no computador com defeito. Isto representa um prejuízo para o seu trabalho e para o registro fotográfico de sua vida pessoal, portanto é justa a sua indignação.

Mau argumento 1

O técnico diz a Mateus:

- Eu ia fazer isto, mas não antes de perguntar se você sentiu cheiro de queimado, na última vez que o ligou.

Ao que ele responde

- Não. Meu computador não está queimado. 

O comentário do técnico, ou explicação, e interrogação fala de "cheiro de queimado", ou seja, cheiro característico que PODE indicar algo começando a queimar, algo queimando, ou algo que realmente já queimou.  Mateus, em claro estado de stress exagera ou antecipa o sentido do que o técnico lhe diz, utilizando o mau argumento do tipo "Composição ou adição", ou seja, Mateus inferiu que o técnico estava dizendo, com certeza, que o seu equipamento estava queimado, sendo que, na sua frase, é especificado "cheiro de queimado". O cheiro de queimado é um dos componentes que sugere que algo PODE estar ou JÁ queimou, mas não podemos tirar conclusões apressadas.

Mau argumento 2

O segundo mau argumento, objeto de nossa discussão, é justamente o que finaliza a resposta de Mateus:

"Não. Meu computador não está queimado. Estava funcionando muito bem. Ontem fui ligar e ele deu umas mensagens na tela, e não entrava no Windows. Não entendo."

E complementa com uma variação deste mau argumento:

Ah, não. Por que este computador parou de funcionar ? Estava funcionando até ontem. Não faz sentido.

Este argumento de que "Estava funcionando muito bem" é o que pretendemos explicar, denominando-o de "Ilusão Temporal", caso mais específico da "Generalização Apressada" de Ali Almossavi. Como o computador vinha funcionado ao longo do tempo, Mateus deduz, apressadamente, que o mesmo SEMPRE funcionaria.

Como este é um caso muito específicoda Generalização, vamos detalhá-lo em função humana, dando-lhe o característico de "Ilusão" (algo totalmente inerente ao ser humano) e tipificá-lo como "temporal", pois é o tipo de ilusão afeto ao caso em questão.

Quando tratamos de equipamentos, e até de seres vivos, por um lado estar funcionando hoje não significa que funcionou ontem e antes, e nem que vá funcionar amanhã e depois.

Mau argumento 3

O terceiro mau argumento também é do tipo "Generalização apressada", quando Mateus diz:

Mas você é técnico. Se é técnico, pode recuperar meus dados.

Técnicos são pessoas especializadas na resolução de problemas no escopo de sua atividade profissional, ou seja, no ramo em que eles praticam as suas habilidades adquiridas, e cuja atividade repetida os torna experts no assunto devido. Ora, ter o conhecimento em uma área, mesmo parecida com uma outra, não os torna também técnicos nesta última.

O anúncio ao qual Mateus teve acesso para chamar a empresa TechCenter, conforme o técnico lhe explicou novamente, tem uma responsabilidade bem definida, conforme este mesmo reiterou no diálogo:

Em primeiro lugar, o meu trabalho, bem descrito no anúncio da minha loja, é o de restabelecer o FUNCIONAMENTO da máquina. Os dados são de responsabilidade de quem usa. Por isto existem os programas de backup (gravação dos dados do computador em disco, fita, discos externos, pendrives, CD, DVD).

Mateus, como muitos consumidores e clientes, tenta obter mais do que as condições do anúncio da empresa que enviou Reginaldo pode dar. Alias, muita gente faz isto. Contrata um serviço por um preço, e pelo mesmo preço começa a requerer uma melhoria daqui, um brinde dali, um adicional de lá, um serviço a mais, etc. É uma forma de desonestidade, pois prejudica as empresas e causa discussões evitáveis caso as regras de contratação sejam observadas e obedecidas.

E o técnico acrescenta, em nosso auxílio, o seguinte:

Mateus, eu sou técnico sim, mas mesmo um técnico tem sua capacidade limitada ao que está acontecendo. No caso de um médico, mesmo entendendo tudo de medicina ele não pode fazer nada em relação a um morto, apenas pode descer as pálpebras para lhe fechar os olhos. Não faço milagres.

Ao dizer "Não faço milagres", o técnico está dizendo "não extrapolo meu conhecimento para fora de minha responsabilidade", e também "Não recupero o irrecuperável".

Comentários

O caráter humano por vezes conduz as pessoas que estão em "maus lençóis", que não tomaram os devidos cuidados, e que chegaram a uma situação crítica por sua irresponsabilidade, a níveis altos de stress e até à loucura, bem demonstrado pelos constantes apelos de Mateus para que Reginaldo recuperasse, DE QUALQUER JEITO, os seus dados.
Conclusão
Frequentemente as pessoas esquecem das dimensões de tempo ao dialogar ou emitir as suas opiniões. caso parecido ocorre com os pais que dizem aos filhos adolescentes:

Você é um preguiçoso.

O correto seria:

Você é preguiçoso, POR ENQUANTO







sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Exemplos de diálogos - III - Discussão acalorada

Neste post vamos evoluir no escopo das discussões com uma situação um pouco mais tensa. Trata-se de uma reunião entre a coordenadora de uma escola e o pai de um aluno, obviamente um aluno que apresenta alguns problemas comportamentais, senão a coordenadora não teria proposto a reunião.

Exemplo

- Boa tarde, meu nome é Analu, e eu sou a coordenadora da sexta série. Como eu sei que o senhor está em horário de trabalho, senhor Henrique, procurarei lhe tomar o mínimo de tempo.
- Boa tarde. Meu filho disse que eu deveria trazer este papel, uma OCORRÊNCIA, assinado para esta reunião.
- Eu devo explicar ao senhor que este papel é importante para a Escola, e vai para a pasta do seu filho...
- Deixa eu interromper a senhora só um instante. Eu assinei este papel com muita estranheza, porque discordo totalmente deste tipo de coisa. Um relatório deste tipo, com o nome de Ocorrência quase iguala meu filho a um delinquente de rua.
- Senhor Henrique, de forma nenhuma estamos igualando seu filho, ou qualquer aluno, a um delinquente. O relatório é necessário, porque um dia alguém do Conselho Tutelar, ou um promotor, pode pedí-lo.
- E vai pedir por quê ?
- É desagradável tratar disto, mas é porque alguns pais podem entrar na justiça contra a escola.
- E por que os pais fariam isto.
- Já que o senhor insiste, e não nos leve a mal, é porque alguns alunos são convidados a deixar a escola.
- "Convidados a deixar a escola" significa expulsar, não é ?
- Nós nunca expulsamos. Apenas sugerimos que ele procure outra escola ao fim do semestre.
- E as Ocorrências servem como prova !?
- Sim. É isto. Mas vamos conversar sobre a Ocorrência, para não tomar o seu tempo. O seu filho vem apresentando alguns comportamentos inadequados, e a professora dele reclamou.
- Quais ?
- Ele pede para ir ao banheiro durante a aula.
- Eu também vou ao banheiro regularmente, até por conselho médico. Qual é o problema ?
- É porque ele pede mais de uma vez antes do recreio e, as vezes, depois do recvreio também.
- É só isto ? A senhora vê problema no fato do meu filho ser saudável ?
- Ele poderia se controlar um pouco. Os outros alunos só vão na hora do recreio, pedindo para ir durante a aula eventualmente. Já com o seu filho isto ocorre frequentemente.
- Olhe, dona Analu, ...
- Pode me chamar de Nalu.
- Nalu, meu filho não precisa ser igual a todos os outros alunos, principalmente em se tratando do campo da saúde. Se ele tivesse asma, vocês o deixariam sair da sala para tossir. Se fosse deficiente, também.
- Mas estas exceções tem laudo médico e atestados para justificar.
- Ora, será que eu vou ter que arranjar um laudo atestando que meu filho faz muito xixi ?
- Se fosse só isto, tudo bem. Mas ele também se recusa a fazer certas atividades em sala de aula.
- Não, espera ai. Quer dizer que o problema de fazer muito xixi pode ser tolerado se o menino for bom aluno ?
- Bem ... o senhor compreende que todos os comportamentos são só elementos de um mesmo quadro.
- Que quadro ?
- É uma certa indisciplina.
- Sobre fazer atividades, eu até concordo. Mas sobre ele fazer muito xixi acho uma agressão ao meu filho. A Separe uma coisa da outra. Uma se refere às necessidades fisiológicas. Outra se refere ao assunto da escola.
- Senhor Henrique, este tipo de coisas, aparentemente de origens diferentes, tem o mesmo sentido. Ele quer fugir das atividades. Quer sair o máximo possível da finalidade da aula.
- A senhora compreende que ele pode estar apenas nervoso, o que o faz pedir prá ir ao banheiro, só prá sair da sala ?
- Se ele está nervoso, o senhor que é pai pode nos dar uma pista do porquê.
- Meu filho é um garoto normal. Joga videogame, brinca, faz natação, é sossegado, carinhoso, faz escotismo, enfim, não tem problemas de comportamento.
- Mas aqui na escola ele apresenta estes problemas.
- Então, o problema não está na minha casa, mas na sua escola.
- Senhor Henrique, os alunos precisam aprender a ser disciplinados.
- A senhora já se questionou sobre a validade dos métodos utilizados, que são praticamente os mesmos de quando nós estávamos na escola ?
- Para o senhor ficar informado, eu estou fazendo um curso de neurosciências, onde estamos vendo tudo o que está sendo descoberto em torno do aprendizado.
- Mas as professoras que a senhora coordena também estão informadas sobre estas novidades ?
- Ainda não. Mas tudo é um processo.
- Cara Nalu, então não estamos indo a lugar nenhum. A senhora está em contato com as novas técnicas, mas não é quem dá as aulas. Suas professoras, tanto aqui quanto nas outras escolas, em sua maioria, estão usando as velhas técnicas, e os problemas devem ser os mesmos aqui e em outros lugares.
- Senhor Henrique, não é nossa função aqui discutir a situação do ensino, mas o problema do seu filho.
- Nalu, você está errada, pois é justamente este o problema. Meu filho é muito ativo e criativo. Provavelmente a aula não está despertando nele nenhum interesse, pois, assim como no nosso tempo, a aula a que ele assiste é do tipo PROFESSOR TRANSMITE CONHECIMENTO PARA O ALUNO.
- Mas só o seu filho está apresentando este problema.
- Nalu, sua escola não está sendo obrigada, como as outras, a aceitar os meninos com síndrome de Down ?
- Sim, mas o quetem isto a ver ?
- Eles não precisam ser tratados de forma diferente ?
- Sim.
- Ora, se o meu filho está sendo quase considerado doente, façam uma exceção para ele também.
- No caso do seu filho, existem mais soluções disponíveis. Existem meios de melhorar a concentração dele, e acho que podemos resolver.
- Qual é a sugestão da senhora ?
- Existe um medicamento que está sendo usado com os meninos que tem dificuldades de concentração.
- Remédio ?
- Sim, é a Ritalina.
- Espera um pouco prá eu entender. Agora, para o aluno se concentrar na aula, vocês aconselham os pais a lhes dar um remédio ?
- Não somos nós que faremos isto. Não temos esta autoridade para diagnosticar e nem para receitar o que quer que seja. Nós encaminhamos o aluno para um profissional que faz um laudo e que PODE receitar um medicamento que auxilie o aluno.
- Veja bem, então se vocês encaminharem o meu filho para um profissional deste, uns dias depois meu filho estará assistindo as aulas "drogado", mas focado, obediente e de acordo com o que vocês esperam ?
- Senhor Henrique, não é bem assim ...
- Nalu, na nossa época disciplinava-se o aluno. Não estou pedindo para que vocês o façam do jeito que era feito, com medo e castigos. Vocês são os profissionais de ensino, e cabe a vocês, até com os conhecimentos desta tal de neurosciências, que você citou, acharem os caminhos para controlar os alunos.
- Senhor Henrique, vamos fazer isto com a colaboração dos pais.
- E já digo uma coisa a você: não admito esta ideia de dar ao meu filho a "droga do aprendizado". Não é assim que vamos resolver o problema.
- Antes disto, o senhor fique tranquilo, vamos sugerir o que temos de mais utilizado, que é a orientação psicológica. Vamos recomendar que o senhor procure um profissional especializado.
- Olhe, Nalu, eu e minha mulher já pagamos uma escola cara. Além disso vamos ter que pagar um psicólogo também ?
- O senhor não quer resolver o problema do seu filho ?
- Nalu, vocês utilizam o argumento da maioria. Os outros alunos ficam quietinhos, fazem as atividades que a professora manda, mas eu pergunto: Eles realmente aprendem ?
- Eles são disciplinados, acompanham a aula, fazem as atividades. É a função da escola.
- A função da escola é ministrar atividades ou é realmente a de formar gente que raciocine ?
- Senhor Henrique, a Secretaria de Educação tem que ter parâmetros registrados dos resultados. Não temos como medir o raciocínio dos meninos.
- Mas vocês sabem claramente diferir os criativos dos "moscas mortas", repetidores de conhecimento ou simplesmente soldados de escola.
- Somos apenas responsáveis pelo conteúdo. Em cada série, fazemos o possível para o aluno absorver o conteúdo.
- Pensei que a escola formasse pessoas que saibam pensar.
- Senhor Henrique, temos as exigências da Secretaria de Educação, que só podem ser estabelecidas pela medição de alguma coisa, no caso a nota do aluno.
- Agora vejo porque os alunos são desinteressados, porque viadutos tem caído em nosso país, e porque os projetos não vão para frente. Sem falar nos políticos que exploram o povo.
- Senhor Henrique, discutir isto não é de nossa alçada.
- Discordo de você. A escola é o nascedouro de tudo. As prioridades do país, que vivem falando na TV e nas campanhas eleitorais são Educação e Saúde. A educação é tudo. Estou profundamente decepcionado. Vamos ser objetivos então. Me indique um profissional, um psicólogo, que mando meu filho pra ele.
- A escola não indica um profissional. Temos estes três aqui (e distribui os cartões deles).
- Vou escolher um então. Eu tenho que ir. Boa tarde.

Objeto do diálogo

O objeto do diálogo é a discussão sobre a situação escolar de um aluno.

Envolvidos

A coordenadora da sexta série de uma escola e o pai de um aluno com alguns problemas escolares.

Estabelecendo o local do diálogo

Provavelmente ele ocorreu na escola em que Analu é coordenadora, pois é o usual. Isto fica, de certa forma caracterizado pelo que ela diz ao pai do aluno: "Como eu sei que o senhor está em horário de trabalho ...".

Estabelecendo o tempo do diálogo

O texto dá, claramente, a parte do dia em que ocorreu o diálogo: "Boa tarde, ...".

Característica do diálogo

A principal característica do diálogo é a tensão entre os interlocutores. A coordenadora está empreendendo a difícil tarefa de apresentar a um pai de aluno os problemas que ele está apresentando em sala de aula, e este está quase interpretando o papel de filho, se colocando no lugar dele, para ser chamado a atenção pela coordenadora.

Em alguns momentos, os interlocutores utilizam, de forma leve, os maus argumentos. Dissemos leve porque ambos sabem que o problema realmente existe, mas não é de exclusiva culpa de nenhum dos lados.

Mau argumento 1

O pai, obviamente pressionado, quase na condição de acusado (assim ele se sente, pois está representando o filho, porém na pele de um adulto que sente todas as consequências dos atos do filho), profere a seguinte frase, ao entregar um papel em que viu escrita a palavra OCORRÊNCIA: "Um relatório deste tipo, com o nome de Ocorrência quase iguala meu filho a um delinquente de rua.".

Aqui ele utiliza o argumento do "espantalho", deturpando o status de estudante, do filho, abaixando o seu nível para o de "delinquente". E ao abaixar o status do filho na situação, pretende colocar tal termo na boca da escola, que emitiu um documento com o nome de Ocorrência, comparando aos Boletins de Ocorrência que a polícia lavra para os crimes, portanto para os criminosos. E é isto o que ele entende da situação.

Mau argumento 2

Ao informar o pai de que "O relatório é necessário, porque um dia alguém do Conselho Tutelar, ou um promotor, pode pedí-lo", a coordenadora está utilizando o "Apelo ao medo". Citar o Conselho Tutelar é uma forma de constranger o pai, pois praticamente diz a este que ela, a coordenadora, ou a escola, podem chamar este órgão, que tem o poder de questionar os pais quanto às suas ações sobre os filhos.

Mau argumento 3

Este só pode ser estudado na complexa estrutura de argumentos do trecho:

"- Para o senhor ficar informado, eu estou fazendo um curso de neurosciências, onde estamos vendo tudo o que está sendo descoberto em torno do aprendizado.
- Mas as professoras que a senhora coordena também estão informadas sobre estas novidades ?
- Ainda não. Mas tudo é um processo."

A coordenadora (1) estabelece para si um status alto para a discussão "eu estou fazendo um curso de neurosciências ... vendo tudo o que está sendo descoberto ...". Ou seja, está reinvindicando para si uma autoridade no assunto em discussão. (2) O pai quer verificar se este é o mesmo status das professoras, fazendo a pergunta "Mas as professoras ... também estão informadas ... ?". E a coordenadora (3) reconhece que não "Ainda não", e (4) encontra apenas  uma desculpa: "Mas tudo é um processo". Ela não marca uma época para a conscientização das professoras a respeito dos novos conhecimentos, e nem de que forma será feito. É a desculpa institucional.

Mas vamos ao reconhecimento do tipo de mau argumento.

Os argumentos 1 e 2, em conjunto, pretendem estabelecer a metáfora da "Autoridade Irrelevante". A coordenadora reivindicou o status de autoridade em Neurosciências apenas por estar fazendo um curso. Além desta reivindicação, ela, acrescentando a chamada de discurso "Para o senhor ficar informado, ...", impõe um tom antipático, tentando diminuir a figura do pai do aluno, numa tentativa clara de intimidação.

O argumento 4 é pior do que os antecedentes , e é considerado do tipo "Equívoco" por Ali Almossavi. Ao utilizar a palavra "processo", a coordenadora tenta iludir o pai, como se houvesse "UM CONJUNTO CONHECIDO E TESTADO DE PROCEDIMENTOS ORGANIZADOS PARA RESOLVER O PROBLEMA". E sabemos que este tipo de solução, no plano educacional simplesmente não existe, pois, neste plano,  existem indivíduos com caráter muito diverso, um do outro.

Mau argumento 4

Ainda em relação às neurosciências (citadas como argumento nesta situação), é feita uma argumentação, pelo pai: "A senhora está em contato com as novas técnicas, mas não é quem dá as aulas. Suas professoras, tanto aqui quanto nas outras escolas, em sua maioria, estão usando as velhas técnicas,". Ele mostra à coordenadora o erro de interpretação em relação aos conjuntos, denominado "Composição e divisão" por Ali Almossavi, que diz "inferir que um todo deve ter determinado atributo, porque uma de suas partes o possuem".

E o sentido percebido e estendido pelo pai ainda mostra que ainda pode existir o problema da "transmissão do atributo", ou seja, os conhecimentos adquiridos, mesmo para a maioria das professoras, deixaria algumas de fora, que continuariam gerando o problema em partes discretas do universo escolar.

Toda ciência, até que seja divulgada, pode ser considerada inexistente. Não basta adquirir conhecimento; é preciso replicá-lo para várias fontes secundárias.

Mau argumento 5

É o tipo mais usado ultimamente no Brasil. Quando o pai diz "- E já digo uma coisa a você: não admito esta ideia de dar ao meu filho a 'droga do aprendizado'. Não é assim que vamos resolver o problema." ele faz uma caricatura de um medicamento específico, elevando-o à característica geral de DROGA.

Este é o argumento do "Espantalho", ou seja, o emissor coloca a máscara mais ridícula, mais depreciativa sobre a entidade relacionada à discussão, pois é mais fácil atacar uma caricatura do que uma ideia de mais alto nível.

Comentários

Este tipo de diálogo, com este tipo de argumentação da escola, na pessoa de uma de suas coordenadoras, está sendo uma espécie de padrão das instituições. A ênfase não reside no PROBLEMA, e sim na busca de DESCULPAS, boas ou más, mas que acabam nesta coleção de maus argumentos. Nem exploramos os outros existentes no texto, deixando este trabalho para o leitor. E, esta tática, acaba redundando numa tentativa de dispersão da atenção, desvio do foco principal das finalidades, no caso, da escola. A finalidade das escolas foi desviada para o lucro. Resolver problemas dá trabalho.

Conclusão

Mostramos os maus argumentos em situações de fato. Quantos pais já não experimentaram contextos de conflito escolar desta espécie ? Este estudo também serve de auxílio aos pais que estão sendo enrolados pelas escolas.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Exemplos de diálogos - II - Discussão

No primeiro exemplo mostramos alguns aspectos básicos de um diálogo.

Neste post mostraremos um diálogo que tem um certo grau de discussão, e esta não envolve assunto muito polêmico, por enquanto.

Exemplo

- Mônica, você viu o filme da entrevista com o ET no Youtube ?:
- Edu, cê perde seu tempo com isso ?
- E esses filminhos de cassetadas que você recebe ?
- Ah, é prá eu rir um pouco. Vai dizer que cê num assiste também. Vai dizer que é muito sério e só assiste coisa útil.
- Esta "bobajada" que você assiste eu nem abro.
- Então prá que tá me perguntando se eu vi filminho de ET ? Daqui há pouco vai me pedir prá assistir  filmes de Astrologia !
- É diferente. Dizem que vazou uma entrevista mesmo com um ET na Rússia. Tem uma certa seriedade.
- Alienígena não é assunto sério.
- Só porque é de alienígena não é sério ?
- Tô estranhando você defendendo esse tipo de assunto !
- Você tem que separar as coisas. O video não pretende ser coisa de ficção, Se fosse besteira eu não tava te perguntando.
- Mas você disse que eu só assisto "filminho de cassetada" !
- Esquece então que eu disse isso. Você então não viu, né ?
- Não.
- Esquece então.

Objeto do diálogo

O objeto do diálogo é um filme que trata de uma entrevista com um ET.

Envolvidos

Devido ao grau de intimidade do diálogo, em que ambos se sentem livres para fazer críticas, um ao outro, e ao conhecimento de hábitos entre si, evidentes nas frases "E esses filminhos de cassetadas que você recebe ?" e "Tô estranhando você defendendo esse tipo de assunto", devemos deduzir que ambos tem uma certa intimidade de colegas que se encontram frequentemente ou de amigos.

Estabelecendo o Local do diálogo

Não existem evidências do local.

Estabelecendo Tempo do diálogo

Não existem evidências da hora em que o diálogo ocorreu.

Constatando os Desvios do objetivo

Vê-se claramente que a personagem Mônica é suscetível a desviar a conversa para o conflito, e não para o entendimento. A prova é que o diálogo termina sem a discussão do ponto central, que era justamente o filme da entrevista do ET. Isto ocorre com grande frequência em nossa sociedade, pois herdamos uma veia de deboche e gozação, e isto tem prejudicado seriamente o andamento do progresso de nosso país. Reuniões e Grupos de Trabalho se perdem em conflitos, e pouca coisa se transforma em Projeto.

Percebemos claramente o uso dos conhecidos MAUS ARGUMENTOS enumerados por Ali Almossavi, em seu "Livro ilustrado dos maus argumentos".

Mau argumento 1

É o chamado "ad hominem", evidente já no princípio do diálogo: "Edu, cê perde seu tempo com isso ?". Mônica, claro que não com maldade, pois sabemos que são colegas ou amigos, ataca a honra de Edu, menosprezando-o por assistir aquele tipo de filme. Alias, no início do diálogo, ela ainda não sabe exatamente o tema tratado no filme que é objeto do diálogo.

Mau argumento 2

Edu, para não ficar atrás, usa o mesmo tipo de argumento "ad hominem", quando pergunta: "E esses filminhos de cassetadas que você recebe ?". Ele está procurando denegrir o "gosto" visual midiático de Mõnica, para rebater uma crítica recebida.

Mau argumento 3

Edu volta a atacar a honra da colega na frase "Esta "bobajada" que você assiste eu nem abro". É o mesmo "ad hominem" com a intenção de desmoralizar a outra pessoa do diálogo.

Nota:

Estes três maus argumentos não contribuem para a discussão, fogem ao escopo do objeto em pauta, e demonstram a pequeneza dos seres humanos, quando ao invés de usarem a inteligência para tecer argumentos, partem para as agressões, por despeito ou preguiça.

Mau argumento 4

É do chamado "Espantalho". O emissor, no momento, durante o diálogo, constrói uma caricatura do objeto de discussão. Na frase "Daqui há pouco vai me pedir prá assistir  filmes de Astrologia !", a caricatira do assunto é a Astrologia. Mas seria então o assunto que trata de alienígenas mais nobre que a Astrologia ? Como a Astrologia é uma ciência mais velha, já mostrada como sendo muito imprecisa, e frequentemente dada a falhas, aqui houve uma REDUÇÃO de status intelectual da conversa.

Então, a Astrologia é o "espantalho" da ideia dos alienígenas, ou seja, é como se o locutor estivesse dizendo: "conversar dobre Alienígenas é o mesmo que conversar sobre Astrologia".

Sabemos, no entanto, que os dois assuntos são completamente diferentes. O locutor pretende, realmente, desviar o assunto para algo mais comum, chulo e já comprovadamente falho, para "ganhar" logo a discussão.

Isto se constitui em diálogo de baixo nível intelectual. Ao baixar o parâmetro da conversa, seu nível intelectual abaixa também.

Mau argumento 5

O locutor, desta vez, é explícito, no caso Mônica, que sentencia: "Alienígena não é assunto sério", no que é denominado "Apelo à autoridade irrelevante". Ora, quem é Mônica para proferir uma sentença condenatória para a possibilidade da existência de alienígenas (pois por detrás desta sentença está a afirmação monocrática de que os alienígenas não existem).

Mônica, pelas informações do texto, não tem o grau de mestre, doutora ou algo do gênero, pois senão ela reclamaria ter a autoridade maior que a de seu colega para proferir a sentença de inexistência de ETs. E ela teria que se basear, pelo menos, em uma estatística obtida a partir de uma amostra significativa de planetas em que não tenha sido observada a presença de seres inteligentes. Em outras palavras, estamos distantes de tal amostra, pois o homem foi, no máximo, até a Lua.

Comentários

O diálogo não cumpre o objetivo, que seria uma troca de comentários construtivos sobre o dito filme da entrevista do ET em algum lugar do território russo. Os envolvidos utilizam vários maus argumentos, se desviando do objketivo, e testemunhando mal sobre a inteligência humana.

Conclusão

Os locutores, em um diálogo, não devem atacar a honra, a dignidade, a capacidade e os atributos de caráter, uns dos outros, e sim apresentar argumentos sobre o objeto em discussão. Esta é a característica determinante de um diálogo entre pessoas dignas de serem chamadas de sábias.